"Alegria pra cantar a batucada,
As morenas vão sambar,
Quem samba tem alegria,
Minha gente era triste, amargurada,
Inventou a batucada,
Pra deixar de padecer,
Salve o prazer, salve o prazer."
No morro, o agente recenseador esmiúça a vida da moça pobre, o moreno que "fez bobagem" passeia com a "outra" vestida com o peignoir da sua esposa, o marido sai com as roupas da mulher para brincar o carnaval, quem pensa que o mundo vai se acabar dança um samba em traje de maiô e a francesa cai no samba. É a "gente bronzeada", que embora "triste, amargurada", reinventa a batucada todos os anos e desce o morro para mostrar "seu valor" na avenida.
E nesse ano, a escola de samba do morro vai cantar o grande "desenhista" da música brasileira, o "protético" do samba, o poeta do picadeiro, Assis, menino Valente baiano, de infância difícil e vida conturbada no Rio de Janeiro. A escola já se prepara para desfilar. A morena "batuca no chão sem pena" e a bateria esquenta os tamborins. O intérprete dá o grito de guerra: "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor"!
O artista que será homenageado fazia música espontaneamente, sem tocar nenhum instrumento, mas sabia combinar letra e melodia como ninguém. Letras repletas de humor, mas também com a profunda tristeza de alguém que vive "cantando, fingindo alegria". Duvidava da glória do sucesso, do qual nunca conseguiu desfrutar. Pediu a felicidade de presente no Natal, mas nunca foi atendido. Saltou para a morte, mas foi salvo pelo Redentor.
"Esperando a felicidade,
Para ver se eu vou melhorar,
Vou cantando, fingindo alegria,
Para a humanidade,
Não me ver chorar."
Assis encantou-se com Carmen Miranda. Para ela, compôs vários sucessos e ela se tonou a sua principal intérprete. O jeito brejeiro da Pequena Notável caía como uma luva para suas músicas cheias de irreverência e deboche. Em "Uva de Caminhão", com aparente ingenuidade ligou coisas desconexas como "Caiu o pano da cuíca/ Em boas condições/ apareceu Branca de Neve com os sete anões..." Mas... "Brasil Pandeiro", exclusivamente composto para ela, cujos versos brincalhões narram que o Tio Sam se rende ao tempero e à música brasileiros, a Pequena Notável se recusou a interpretar. Embora tenha alcançado o sucesso, a mágoa por Carmen ter recusado gravar sua música, os problemas familiares e uma montanha de dívidas faziam nosso poeta desejar a morte. Viu-a de perto algumas vezes, mas o guaraná lhe deu energia para libertar-se da profunda tristeza que vivia. Tomando-o com formicida, entregou-se à morte.
Hoje, essa gente bronzeada vem homenagear o seu poeta na avenida. Juntam-se a ela Os Novos Baianos, Maria Bethânia, Elza Soares, Clara Nunes e Ney Matogrosso, grandes nomes da música brasileira que resgataram a obra de Assis Valente, agora mais viva do que nunca ao virar tema de carnaval. E é para ele que todos cantam: Assis valente, "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar teu valor"!
Rafael Gonçalves
MÚSICAS CITADAS
- Alegria (c/ Durval Maia)
- Batuca no chão (c/ Ataulfo Alves)
- Boas Festas
- Brasil Pandeiro
- Cai, cai, balão
- Camisa listrada
- E o mundo não se acabou
- Fez bobagem
- Recenseamento
- Tem francesa do morro
- Uva de Caminhão
BIBLIOGRAFIA
Silva, Francisco Duarte e Gomes, Dulcinéia Nunes. 1988. A jovialidade trágica de José de Assis Valente. Rio de Janeiro : Funarte, 1988.
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